segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

O " FAIR PLAY " É UMA TRETA...


"... e o 'karma', se calhar, também. Mas há dias em que aparece. Este fim de semana apareceu no Bonfim e no Dragão.

Minuto 90 no Bonfim. O Sporting está a ganhar mas a vantagem é curta. Gelson Martins, que ia ser substituído por Podence, aparece no chão. O Vitória tem a bola na sua defesa e prepara-se para novo (e desesperado) ataque. O árbitro interrompe a partida para que a equipa médica leonina assista o extremo caído. Gelson sai, Podence entra. Minuto 90+2. Bola ao solo. William Carvalho vai devolver a bola aos sadinos, mas em vez de a colocar num defesa (onde ela estava quando o jogo foi interrompido) ou no guarda-redes mete-a pela linha lateral. O público assobia e o banco do Vitória protesta. 'Aquilo não é fair play'. É só chico-espertice disfarçada de fair play. Lançamento para os sadinos. Nuno Pinto vai executar. Podence - cumprindo as ordens que uns segundos antes recebera (viu-se na TV) de Jesus - é o primeiro a pressionar, para que a bola não saia dali, do meio-campo adversário, onde para o Sporting estava muito bem. Minuto 90+3. Nuno Pinto lança, a bola salta e ressalta numa confusão de pernas e sobra para Gonçalo Paciência, que a mete na frente, isolando Edinho, que apesar dos 35 anos ainda tem velocidade para bater a (demasiado) subida defesa do lesão e ficar, sozinho, na cara de Patrício. Em desespero Mathieu fazpenalty. 90+4. Golo do Vitória. E o Sporting vê dois pontos a voar.
Com um dia disse alguém, o fair play é uma treta. Talvez seja. E, se calhar, o karma também. Mas há dias em que aparece. E ontem no Bonfim apareceu. Talvez se em vez de meter a bola para fora William Carvalho a tivesse devolvido a um defesa (ou até ao guarda-redes, vá...) do Vitória aquela jogada nunca tivesse acontecido e o Sporting ainda hoje fosse líder. E não é.

Como um dia disse alguém, o fair play é uma treta. Talvez seja. E, se calhar, okarma também. Mas há dias em que aparece. Anteontem, no Estádio do Dragão, o FC Porto venceu o Tondela graças a um brinde de Sulley, que ao tentar colocar a bola num companheiro teve a infelicidade de isolar Marega. Atenção, quando digo infelicidade quero mesmo dizer infelicidade. Porque as infelicidades acontecem até aos melhores do Mundo - não é sequer, convenhamos, o caso de Sulley. A mesma infelicidade explica, por exemplo, que Rosic tenha, há uma semana, metido a bola nos pés de Jiménez quando a tentava colocar num companheiro de equipa, isolando o avançado do Benfica, que nem sequer foi, na pedreira, tão eficaz com foi Marega no Dragão.
É, bem vistas as coisas, de uma ironia suprema que tenha acontecido num jogo com o FC Porto, que através de televisões, facebooks, twitters, blogues e comentadores (com mais ou menos assumida cartilha) não se cansou de bater nos jogadores do Tondela por terem levado cinco do Benfica e nos do SC Braga por terem perdido em casa por 1-3 com os encarnados (afinal de contas, o FC Porto só lá ganhou por 1-0), dando como exemplos para o facilitismo dos bracarenses o tal passe de Rosic e um remate falhado de Ricardo Horta. Talvez percebam agora que são, só, momentos infelizes. Mesmo que não tão infelizes. Mesmo que não tão infelizes como as palavras (ditas ou escritas) de quem quer fazer dos outros labregos.

Como um dia disse alguém, o fair play é uma treta. Talvez seja. Para alguns é até expressão que nem existe no dicionário. São aqueles para quem vale tudo para ganhar, esquecendo-se de que, feitas as contas, tudo se começa a ganhar no campo. Fez bem Abel Ferreira em dar um muro na mesa. Alguém tem de fazê-lo, mesmo que no meio de tanto ruído sejam poucos os que ouvem. Colocar em causa a honra de treinadores e jogadores só porque perderam um jogo é abjecto. É imoral. A esses talvez um dia o karma também lhes apareça à porta."

Ricardo Quaresma, in A Bola

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